Desde o Ingrediente Secreto (programa culinário da tv) que me “apaixonei” pelo Sá Pessoa. De forma descomplicada, mesmo em receitas mais elaboradas, a sua atitude conquista-nos e deixa-nos com vontade de saber mais, de cozinhar e claro, experimentar os seus pratos. Desde os ingredientes mais sofisticados aos mais básicos e tradicionais, ele consegue surpreender e conquistar-nos.
O Alma traduz essa personalidade.
Fui lá num jantar especial, a dois. Com muita expectativa e alguma curiosidade.
A entrada não foi brilhante – pelo contrário – o chefe de sala, creio, recebeu-nos à porta, e já que chegámos um pouco antes da hora, o meu marido perguntou se havia problema, e até sugeriu tomarmos um cocktaill no bar, ao que o senhor, meio macambúzio, nem respondeu, e encaminhou-nos para a mesa. Ok, sentamo-nos e também não demos importância à situação.
Normalmente neste tipo de restaurantes opto pela degustação e este dia não foi excepção. Dentro das 3 opções, escolhemos o “Alma”, e não nos arrependemos. Para beber escolhemos uma selecção de três vinho que acompanham este menu. E começou assim:
Amuse bouche composto por crocante de tapioca com chouriço de porco preto, macaron de cacau e foie gras com balsámico, servidos numa caixa de madeira, com uma base com cascas de cacau e nuns potes de vidro vinha o brandade de bacalhau com sabores de castanha.
O crocante é interessante, pela textura e sabor. Mas não é inesquecível.
Já o macaron é divino, pela supresa, pelo inesperado, e porque resulta muito bem, este doce e salgado tão pouco provável. Só aqui, já fiquei convencida.
O brandade é como um upgrade do pastel de bacalhau, onde a batata é substituída pela castanha, e a fritura excluída. Vinha quente, servido num ponte e comido com colher, é óptimo.
Do serviço de pão fazia parte o de Mafra, a broa e o pão de alfarroba, para acompanhar o azeite extra virgem, Alma, orgulhosamente de Beja, e uma manteiga fumada deliciosa, reparem que manteiga é coisa que não me fascina, mas esta conseguiu deliciar-me.
Continuando a degustação, foi a vez da tempura de carvão vegetal com pimento vermelho que se molha no coulis de pimento vermelho. Este prato choca-nos à primeira impressão, qual é o atrevido, que serve comida queimada? Claro que isto só nos passa pela cabeça por uma fracção de segundo, e que o pensamento imediatamente a seguir, é: tenho que provar isto. E é óptimo! Eu adoro pimentos, mas isto foi toda uma nova experiência, uma leveza simultaneamente combinada com algo estaladiço e intenso. Eleva-se um simples pimento vermelho para outro patamar. E desengane-se quem lhe parecer enjoativa a combinação, é que fica mesmo a matar.
O senhor que se seguiu foi o carapau com rabanete, maçã, com queijo creme e ovas num caldo de tomate perfumado com erva príncipe e gengibre. Resumindo, um festival de sabores na minha boca.
Na continuação serviram-nos cenouras assadas, queijo de cabra, bulghur de frutos secos e coulis de alperce e alcaparras. Lá está, um ingrediente tão básico, como a cenoura, que se torna em algo interessante e composto nesta combinação. Aprecio pratos vegetarianos e adorei este.
Mais um dos pontos altos da minha noite, foi o escalope de foie gras com espuma de pêra, granola de beterraba agridoce e creme de pistachio. Adoro todos os ingredientes que compõem este prato, nunca os imaginei combinados, mas delirei quando os comi em conjunto. Oh God! A consistência e sabor do escalope fazem as pupilas gustativas baterem palminhas. Dá vontade de devorar tudo de uma dentada só e ficar a saborear o resto da noite.
O outro prato de peixe que provámos foi o salmonete, com caldo de caldeirada, xerém e escama frita. Não gostei de todo da escama frita, faz-me impressão, tentei mas não é mesmo para mim. De resto, o caldo estava guloso, como se quer uma caldeirada, e o peixe estava no ponto.
O último prato foi o entrecote de novilho com mousseline de aipo, pickle de beterraba e molho de barbecue. Nada a apontar, não sou fã de carne, mas gostei particularmente do molho.
Das sobremesas destaco o gelado de manjericão. Oh que maravilha! Sou suspeita, porque adoro esse ingrediente, provavelmente dos melhores gelados que comi nos últimos tempos. Trazia uma pitada de ananás dos Açores macerado.
A outra sobremesa era o bolo de azeite com doce de tomate caseiro e gelado de requeijão de Seia. Estava reticente, bolo de azeite só o da minha avó, doce de tomate, não é do meu agrado. Mas o Sá Pessoa, tem todo o benefício da dúdiva e superou a prova. Excelente combinação, ingredientes genuinamente portugueses, com tradição, muito bem conseguida e a apresentação excelente. Lindíssima.
Com o café veio uma bonita madalena de pistachio, tão fofa e saborosa. Mas, a cereja no topo do bolo, neste caso foi a bola crocante de nata. De uma só dentada – yes! – trinca-se uma crosta crocante e prova-se um creme delicioso de nata, um interpretação bem conseguida do pastel de nata. Perfeito!
O espaço e ambiente estão au point. Elegante, intimista q.b., a decoração contemporânea. A arquitectura foi bem pensada, tendo em conta a pré-existência que em parte foi preservada. Tem tudo para ser, aliás, já é, um sucesso.
O atendimento foi excepcional, sem contar com a recepção. O vinho era ideal para os pratos servidos.
Uma refeição inesquecível, que nos remete para uma cozinha excepcional, despretensiosa, com muito personalidade portuguesa, e de fazer inveja a muita cozinha internacional. Venha de lá essa estrela Michelan!
Cátia Marcelino
Alma , Chiado , Comer fora , Henrique Sá Pessoa , Lisboa , restaurante